Cartas

Carta 26

outubro | 2016

1. Produtividade: a chave para o crescimento sustentável

“Productivity isn’t everything, but in the long run it is almost everything. A country’s ability to improve its standard of living over time depends almost entirely on its ability to raise its output per worker.” 

Paul Krugman, The Age of Diminishing Expectations (1994)

 

Por que o crescimento econômico importa? Não é necessário muito esforço para responder a esta pergunta: crescimento gera mais renda agregada e, sujeito a um mínimo de equidade na distribuição dos recursos, melhora o bem-estar de todos os indivíduos. Dito isto, o que está por trás do crescimento econômico? Quais são seus determinantes?

 

Na última carta semestral abordamos este tema com uma ênfase nas economias emergentes, e concluímos que uma pré-condição necessária para o crescimento é a existência de instituições públicas sólidas, que provejam segurança jurídica, garantias à propriedade privada, igualdade de oportunidades e provisão de serviços públicos básicos para o funcionamento da sociedade .

 

E por que estas instituições elevam o crescimento potencial? Basicamente porque elas possibilitam ganhos de produtividade, que é o tema desta carta. Mais especificamente, iremos focar no desempenho da produtividade na economia americana, cujo decepcionante crescimento observado nos últimos anos tem sido foco de grandes debates, e cuja perspectiva tem implicações relevantes para o futuro.

 

Introdução: Produtividade e Crescimento Potencial

Para iniciar a discussão, é preciso definir o que chamamos de produtividade. Esta é o produto por trabalhador, ou seja, o Produto Interno Bruto (PIB) do país dividido pela quantidade de pessoas trabalhando . Em um primeiro olhar pode parecer que a produtividade é a mesma coisa que o PIB per capita. A lógica é a mesma, mas com uma diferença relevante: a produtividade considera apenas a população ativa, enquanto o PIB per capita leva em conta todos os habitantes do país.

 

Para prosseguir, uma tautologia nos será muito útil. Pela definição acima, podemos concluir que o PIB de um país nada mais é do que a produtividade multiplicada pela força de trabalho. Temos aqui a nossa primeira conclusão relevante: o crescimento da economia advém da expansão da força de trabalho ou da elevação da produtividade (mais bens/serviços sendo produzidos por cada trabalhador).

 

Por exemplo, economias com crescimento populacional mais elevado e, logo, com mais trabalhadores à disposição – caso de Índia e China – têm, naturalmente, taxas de crescimento do PIB mais elevadas, enquanto outras economias apresentam crescimento mais rápido pela expansão da produtividade (economias do leste asiático, como Coréia do Sul).

 

Embora algumas medidas possam ser adotadas para elevar a força de trabalho – postergar a idade de aposentadoria, por exemplo – o poder de influência dos governos e de políticas públicas é, em geral, limitado. Logo, a chave para o crescimento sustentável é a expansão da produtividade.

 

Mas o que impulsiona a produtividade? Para responder a esta pergunta, convém lançar mão de uma generalização que nos ajudará a enxergar de maneira mais detalhada estes drivers.  Simplificadamente, podemos pensar na economia de um país como uma espécie de “grande fábrica”, que transforma o estoque de capital e a força de trabalho em produto (PIB), sujeito a uma função de produção específica.

 

Com base nesta observação, podemos concluir que os vetores de expansão da produtividade em uma economia – que, lembrando, é o PIB dividido pelo número de trabalhadores – são: (i) ganhos tecnológicos, conhecidos na literatura econômica como “Total Factor Productivity” (TFP); e (ii) a expansão do estoque de capital por trabalhador (ou “capital deepening”).

 

Consequentemente, juntamente com a expansão da força de trabalho, estas duas variáveis definem o crescimento potencial de uma economia.

 

Estados Unidos

A perspectiva para a produtividade na economia americana é um dos temas mais relevantes da atualidade.

 

Nos últimos cinco anos o crescimento da produtividade do setor privado nos EUA tem sido muito baixo, com uma média de apenas 0,5% ao ano. Colocando em perspectiva, nas últimas três décadas a expansão da produtividade foi em média 1,5%, 2,1% e 2,6%, respectivamente. Ou seja, trata-se de uma desaceleração significativa. Para ter uma sensibilidade, mantido este ritmo de crescimento da produtividade, seriam necessários 139 anos para dobrar o PIB por trabalhador, enquanto que ao nível de expansão da década passada (2,6%) seriam necessários apenas 27 anos!

Pela decomposição do PIB que discutimos acima, isso significa que o nível de crescimento médio de 2,0% do PIB nestes últimos cinco anos tem sido em grande parte sustentado pela elevação do contingente de mão-de-obra. Isto pode ser visto ao compararmos a taxa de expansão média de 1,7% ao ano do estoque de trabalhadores com carteira assinada, patamar bem próximo da expansão do PIB.

 

Conforme veremos mais adiante, o desempenho decepcionante da produtividade nos EUA vem sendo puxado pela fraqueza tanto na TFP como na expansão do estoque de capital.

 

Explicações alternativas

“You can see the computer age everywhere but in the productivity statistics.” 

Robert M. Solow, New York Times Book Review, July 12 1987

 

O comportamento fraco da produtividade em meio a um elevado número de inovações tecnológicas observadas nos últimos anos, e com a qual nos deparamos no dia a dia, pode parecer algo contra-intuitivo. Afinal, como é possível que inovações no setor de serviços – o Uber, por exemplo – e também no setor industrial – automação em algumas indústrias – não estejam gerando ganhos relevantes de produtividade?

 

Esta aparente contradição deu origem a algumas teses que levantam a possiblidade da estatística de PIB estar mal mensurada, não captando de maneira correta a expansão recente da atividade e, consequentemente, distorcendo para baixo a produtividade. Estas teorias se dividem basicamente em duas linhas de argumentação.

 

A primeira sugere que os deflatores utilizados para deflacionar as receitas de alguns segmentos de atividade, como produção de computadores e softwares, estão superestimados, pois não contabilizam de maneira correta a melhora de qualidade nestes produtos; um deflator correto deveria ser capaz de mensurar a variação de preços de um bem controlando para a qualidade deste. Preços mais elevados, mas para produtos melhores, resultariam em um deflator alto demais, artificialmente subestimando o crescimento em termos reais e, consequentemente, reduzindo incorretamente a produtividade. Dito isso, a evidência empírica não é muito conclusiva, com alguns estudos sugerindo que ou o problema sempre existiu, ou é pequeno demais para explicar o tamanho da decepção na produtividade agregada.

 

A outra corrente de argumentação sugere que o uso de serviços digitais – como Facebook, Instagram, etc – se tornou uma parte relevante da cesta de consumo dos agentes, mas não aparece nas estatísticas oficiais. Ou seja, o verdadeiro consumo estaria crescendo mais rápido, mas os serviços consumidos (tempo gasto em redes sociais, por exemplo) não estão sendo contabilizados. Entretanto, um contra-argumento a esta proposição se baseia no fato de que o PIB sempre foi construído para mensurar atividades de mercado, e não o bem-estar dos habitantes que pode, de fato, estar crescendo bem acima do PIB. Adicionalmente, estudos empíricos sugerem que o tamanho da decepção na produtividade também não conseguiria ser explicado de maneira satisfatória por este fenômeno .

 

Por fim, como não é incomum observar, de tempos em tempos, revisões significativas nos indicadores econômicos, também não é possível descartar que daqui a alguns anos o atual “quebra-cabeça” da produtividade baixa será resolvido por estimativas mais elevadas para o PIB observado nos últimos anos.

 

Se as evidências acima não são convincentes, o que poderia então explicar o desempenho tão fraco da produtividade nos EUA?

 

Estudo recente do banco JP Morgan aponta três fatos que ajudam a esclarecer o problema: (i) a desaceleração da produtividade já vem sendo observada desde antes da crise de 2008/09; (ii) a maioria das economias desenvolvidas também apresentou desaceleração da produtividade; e (iii) a desaceleração ocorreu em praticamente todos os segmentos de atividade nos EUA.

Embora seja verdade que a magnitude da desaceleração da produtividade americana em uma janela mais curta chame a atenção, os pontos acima possibilitam restringir o conjunto de teorias para explicar esta desaceleração. Em linhas gerais, trata-se de um fenômeno global, que se iniciou antes da crise do subprime, e que é comum a todos os segmentos. Este último ponto é particularmente relevante para descontruir a hipótese de que há problemas de mensuração, pois se isto fosse verdade, apenas setores mais sensíveis a estes erros mostrariam uma desaceleração intensa da produtividade.

 

Componentes da produtividade:

Para prosseguir na nossa análise, podemos analisar agora individualmente cada um dos fatores que definem a produtividade, conforme vimos anteriormente, e decompor os responsáveis pela desaceleração.

 

1) Total Factor Productivity (TFP)

Quando introduzimos o conceito de TFP, fizemos uma analogia com ganhos tecnológicos. Dito isso, na verdade este é mais amplo, ao refletir todo o ganho produtivo que não é explicado pela expansão dos fatores de produção (trabalho e capital), podendo refletir, por exemplo, melhor alocação do capital, melhorias na organização das empresas, redução de desperdícios, etc. Além disso, da maneira como definimos o fator trabalho (número de trabalhadores), melhorias na qualificação da mão-de-obra também seriam captadas como elevação da TFP.

 

Ou seja, citando o ganhador do prêmio Nobel Robert Solow, a TFP é uma espécie de “medida da nossa ignorância”, já que corresponde à parcela de expansão do produto de uma economia que não conseguimos explicar quando olhamos apenas para os fatores “tangíveis”.

 

O crescimento da TFP nos últimos anos tem mostrado uma desaceleração significativa. Tendo em vista a elevada volatilidade desta medida, é mais comum olharmos para métricas mais suavizadas, como a média móvel de 10 anos. No gráfico abaixo podemos ver a magnitude da desaceleração, e o crescimento observado recentemente é o mais baixo da série

A literatura econômica identifica um conjunto de fatores que ajudam a impulsionar a TFP. Para alguns tipos de investimento, além da consequente elevação do estoque de capital da economia, há também um efeito indireto sobre a TFP. O exemplo mais comum é o de investimentos em tecnologia da informação (TI), onde há ampla evidência empírica de que indústrias que investiram pesadamente em TI tiveram desempenho bem mais forte da TFP do que as demais . O investimento maciço em TI teria sido o grande responsável pelo boom de produtividade visto na segunda metade dos anos noventa, e que se estendeu até meados da década seguinte.

 

Entretanto, o impacto do investimento em TI costuma ser defasado, pois está associado a uma reorganização estrutural das firmas – alterações nas rotinas, no fluxo de informações, no processo produtivo – que se estende por anos; algumas estimativas sugerem um horizonte de até 7 anos para o efeito máximo ser atingido.

Outros fatores também são associados a uma aceleração da TFP. Em estudo que utiliza dados interestaduais dos EUA, Cardarelli & Lusinyan (2015) encontraram diferenças relevantes no comportamento da TFP em estados que investiram mais em qualificação de mão-de-obra e em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D). Neste último caso, há efeito relevante tanto via redução de ineficiências como em ganhos tecnológicos, e o impacto não se restringe apenas a um setor da economia.

 

Tendo constatado então que o desempenho da TFP tem sido fraco nos últimos anos, como explicá-lo com base nos determinantes acima? Uma das possíveis explicações levantada pela literatura é que o investimento em TI como proporção do PIB vem recuando após o pico visto em 2000, o que, de acordo com a defasagem estimada acima, explicaria este desempenho ruim. O mesmo é observado nos investimentos em P&D. Por fim, embora de dificílima mensuração, há evidência empírica sugerindo que o nível de qualificação da mão-de-obra americana mostrou ter se expandido de maneira mais lenta nos últimos anos.

 

2) Capital Deepening

A outra variável relevante para determinar a produtividade é a expansão do estoque de capital, que ocorre via investimento, e que denominamos “capital deepening”. A lógica é intuitiva: quanto mais capital disponível houver para ser utilizado, maior deverá ser a produção esperada por trabalhador.

 

Embora o estoque total de capital de uma economia seja um conceito abstrato, de difícil mensuração, e, necessariamente, sujeito a uma série de simplificações, existem algumas estimativas. Estas contas levam em consideração tanto a formação de capital ao longo do tempo – mensurada pelo investimento – como a depreciação do capital existente. Segundo estimativa do Federal Reserve de São Francisco, nos últimos anos a expansão do estoque de capital por trabalhador tem sido bem fraca, reflexo do ritmo de investimento mais modesto na economia.

 

E por que o investimento não tem acelerado? Uma possível explicação é que o ritmo de expansão da atividade no pós-crise vem sendo mais lento do que o padrão em outros ciclos econômicos, desestimulando expansões da capacidade produtiva. Além disso, o baixo crescimento global e um ambiente de excesso de oferta em várias economias desestimula o investimento no setor industrial, que nos últimos anos vem sofrendo também com a forte valorização do dólar norte-americano.

 

Outra possível razão é que historicamente surtos de expansão do investimento em bens de capital são acompanhados por uma redução expressiva no preço relativo destes bens, possibilitada, por sua vez, por mudanças tecnológicas. O caso de computadores com processadores cada vez mais potentes é um exemplo claro: adquirir a mesma capacidade de processamento de antes se torna muito mais barato, incentivando o investimento. Por exemplo, nos anos 1990 houve queda expressiva nestes preços, ajudando a expansão dos investimentos em TI, conforme comentamos. Nos últimos anos observamos uma moderação significativa do ritmo de queda dos índices de preço de investimentos high tech, o que pode ajudar a explicar a desaceleração destes investimentos.

 

Mão-de-obra

Embora o foco desta carta seja a produtividade, uma variável relevante para pensar nas perspectivas de crescimento de uma economia é a oferta de trabalho. Mesmo com a produtividade estável, o crescimento mais acelerado do contingente de mão-de-obra resulta em um PIB potencial mais elevado. Entretanto, vale ressaltar que, neste caso, apesar do crescimento mais elevado, não há expansão do padrão de vida médio, pois o crescimento do PIB per capita depende necessariamente do crescimento da produtividade.

 

O contingente de trabalhadores disponíveis em uma economia depende basicamente de duas variáveis: crescimento populacional e taxa de participação. Nos EUA, os dois fatores têm mostrado moderação nos últimos anos. Enquanto redução do crescimento populacional vem sendo observado em quase todas as economias maduras, destaca-se nos EUA a queda na taxa de participação. Parte deste movimento já era antecipado pela expectativa de aceleração nas aposentadorias da geração dos baby boomers, mas mesmo assim o movimento foi mais intenso. Outras explicações comuns são: a opção por mais anos de estudos, retardando a entrada no mercado de trabalho; o maior contingente de pessoas recebendo benefícios do governo; e as aposentadorias precoces, possivelmente incentivadas pela crise financeira de 2008/2009.

 

Futuro da produtividade: Duas visões distintas

O que esperar da produtividade no futuro? É possível extrapolar os resultados decepcionantes dos últimos anos para as próximas décadas? Responder a esta pergunta é certamente uma tarefa extremamente complicada.

 

No debate a respeito das perspectivas para a produtividade nas próximas décadas existem duas correntes com visões antagônicas. A primeira delas, liderada pelo economista Robert Gordon, traça um cenário pessimista. O cerne do argumento é que as inovações vistas na virada do século XX – batizada pelo autor de “Segunda Revolução Industrial” – e que impulsionaram o período de expansão mais rápida da produtividade até a década de setenta foram muito mais abrangentes e com desdobramentos muito mais amplos do que as inovações que observamos recentemente . Três aspectos desta segunda revolução são destacados: (i) as invenções foram multidimensionais, em contraste com o foco unidimensional das inovações mais recentes; (ii) concentração das descobertas em um curto espaço de tempo; (iii) quase todo o progresso econômico observado nas décadas seguintes foi fruto de desdobramentos das descobertas, como desenvolvimento de aparelhos eletrônicos domésticos, construção de estradas para atender aos veículos, etc. Como conclusão, o autor estima que nas próximas quatro décadas a produtividade irá crescer apenas 1,3%, que, embora melhor que o ritmo dos últimos anos, é uma desaceleração relevante em relação ao visto no passado.

 

Já a vertente otimista enfatiza que os avanços tecnológicos ainda têm um imenso espaço para prosseguir. Com o avanço da robótica e da inteligência artificial as possibilidades que se abrem não são ainda totalmente conhecidas e, nos próximos anos, o progresso tecnológico pode vir a crescer a taxas exponenciais. Estaríamos vivendo uma “Second Machine Age” .  Por exemplo, o surgimento das impressoras 3D seria uma inovação com potenciais de revolucionar a indústria manufatureira. Pelo arcabouço que desenvolvemos ao longo desta carta, é como se a TFP viesse a apresentar forte aceleração no futuro, impulsionando a produtividade. Além disso, com o acesso à informação se tornando muito mais difundido e quase instantâneo com a internet, o potencial para novas descobertas se expandiria.

 

Produtividade: implicações práticas

Agora que já entendemos as implicações da produtividade para o crescimento de longo prazo, podemos tirar também algumas conclusões para outras variáveis de interesse.

 

A primeira implicação direta é que a produtividade também é uma variável-chave para o crescimento dos lucros das empresas e, consequentemente, para a performance dos índices de ações. Em um cenário de baixo crescimento da produtividade, com quase toda a expansão do PIB sendo sustentada pela elevação da mão-de-obra, a taxa de desemprego cai rapidamente e começa a pressionar os salários para cima, tendo em vista a maior competição das empresas por trabalhadores. Como a folha salarial é uma parte relevante dos custos das empresas, há uma tendência de redução de margens de lucro.

Além deste canal mais direto, nas economias que adotam um regime de metas de inflação – caso da esmagadora maioria dos países desenvolvidos – esta consequente aceleração da inflação costuma ser combatida pelos bancos centrais através da elevação das taxas de juros, o que pressiona ainda mais os lucros das empresas, seja pela esperada desaceleração da atividade em resposta à contração monetária, seja pelos custos mais elevados de financiamento.

 

A dinâmica que acabamos de descrever é, na verdade, o comportamento de uma economia no estágio final do ciclo econômico, quando a atividade começa a operar acima do nível potencial, pressionando os fatores de produção, como a mão-de-obra, e gerando inflação. Desta forma, podemos concluir que uma eventual aceleração da produtividade possibilita uma extensão da duração dos ciclos econômicos, ao permitir mais tempo de crescimento econômico antes do surgimento de pressões inflacionárias. Foi a aceleração da produtividade na segunda metade dos anos 1990s que possibilitou que aquele ciclo de expansão fosse o mais longo da história americana, chegando a dez anos.

 

A outra consequência relevante de um crescimento modesto da produtividade é que a taxa de juros real de equilíbrio no longo prazo será mais baixa. Podemos pensar nesta taxa como a que equilibra a demanda por investimentos e oferta de poupança. De acordo com a teoria econômica, o fator mais relevante para determinar a taxa real de juros de equilíbrio de longo prazo é a produtividade . Por exemplo, em pronunciamento recente, a presidente do FED Janet Yellen afirmou que uma das principais razões para a contínua revisão baixista das projeções do nível de juros de equilíbrio de longo prazo feitas pelos membros do banco central é o desempenho decepcionante da produtividade .

 

Na atual conjuntura nos deparamos com taxas de juros excepcionalmente baixas – até mesmo negativas, algo até pouco tempo impensável – e uma expectativa de normalização bastante gradual das condições monetárias pelo FED. O ambiente deflacionário global, os estímulos adotados pelos bancos centrais comprimindo o term premium das taxas longas e a ausência de pressão inflacionária clara nos EUA são alguns dos fatores que continuam empurrando os juros para baixo. Dito isso, para prazos mais longos, como a história serve de guia, os fundamentos econômicos acabam prevalecendo, e neste sentido entender como se comportará a produtividade tem implicações relevantes para os mercados.

 

Conclusão

Crescer de maneira sustentável e com melhorias no bem-estar da população no longo prazo passa necessariamente por ganhos de produtividade. Menos produtividade significa menor crescimento potencial e menor expansão do PIB per capita.

 

O desempenho medíocre da produtividade nos EUA ao longo dos últimos anos já resultou em uma revisão baixista do crescimento potencial do país, que antes rodava na casa dos 3,0% e hoje se concentra mais para 2,0%, ou mesmo abaixo disso, em algumas estimativas mais pessimistas. Embora um menor crescimento da mão-de-obra seja uma das razões, o grosso da revisão reflete uma expectativa de menor expansão da produtividade.

 

Embora seja até possível, com base nos determinantes discutidos ao longo da carta, projetar um cenário mais cauteloso para a produtividade nos próximos anos, a verdade é que a visibilidade é muito baixa, e variáveis como a TFP (a “medida da nossa ignorância”) são naturalmente difíceis de estimar com alguma margem de precisão. Dito isso, o que podemos concluir? Caso esta dinâmica permaneça no longo prazo, observaremos taxas de crescimento mais modestas do que a média das últimas décadas e as taxas de juros reais deprimidas com que nos deparamos hoje em dia irão permanecer bem distantes dos níveis do passado.

 

2. A União Europeia e sua Governança

A União Europeia (UE) é uma “associação” econômica e política de características únicas, constituída por 28 países europeus que, em conjunto, abarcam grande parte do continente europeu. A população total estimada é de 510 milhões de pessoas e representa aproximadamente 23% do PIB mundial (2013). Em 2012 o prêmio Nobel da Paz foi conferido à mesma UE, “que por mais de seis décadas contribuiu para o avanço da paz e reconciliação, democracia e direitos humanos na Europa”.

 

Mas, desde a grande crise global de 2008, a Europa é palco de sucessivas crises. Crise econômica da Zona do Euro. Crise dos refugiados de conflitos no Oriente Médio e Norte da África. Atentados terroristas e a emergência de partidos e políticos populistas ou nacionalistas.

 

Em 23 de junho de 2016, a população do Reino Unido votou, em referendo, para que o país se separasse da União Europeia, em um evento que ficou conhecido como Brexit. Um dos argumentos do grupo que apoiava a saída, era a retomada da soberania nacional, já que boa parte das leis às quais os cidadãos britânicos são submetidos não é elaborada por políticos eleitos diretamente pela população.

 

Em vários momentos relacionados a aquelas crises, líderes de diversos órgãos de governo na Europa foram chamados a negociar e tomar decisões. O objetivo deste texto é explicar como funciona a governança na União Europeia, explicando o papel de suas principais instituições. A quantidade delas e o processo decisório podem parecer confusos, mas todo cuidado será tomado para tentar elucidar o que de fato é importante.

 

1. Um pouco da história:

A UE nasceu do desejo por segurança e estabilidade após a Europa ter sido transformada em campo de batalha nos dois grandes conflitos militares na primeira metade do século XX.

 

Depois da segunda guerra mundial, a população europeia apoiou o reestabelecimento da soberania, demandando dos governos algumas políticas de proteção social, o que veio a se tornar o embrião do Estado de Bem Estar Social.

 

A UE teve seu “pontapé inicial” com o estabelecimento da Comunidade do Carvão e do Aço (CECA) em 1952 a partir do Tratado de Paris. O carvão e o aço eram as principais indústrias de base da Europa na época e de suma importância para a indústria militar.

 

Com o Tratado de Roma, assinado em 1957 por França, Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo foi criada a Comunidade Econômica Europeia, uma união tarifária. Este tratado foi pensado buscando maior integração de maneira a administrar o período áureo do crescimento econômico.

 

Ao longo do tempo outros países foram sendo admitidos no bloco e outros tratados de integração foram assinados. Sobre os Tratados, pode-se pensar neles como uma espécie de constituição da UE, sendo que qualquer mudança requer a aprovação de todos os países.

 

O Reino Unido, Irlanda e Dinamarca entraram para o bloco em 1973. A Grécia, Portugal e Espanha foram admitidos na década de 1980. Em 1989 assistimos à queda do Muro de Berlim e, no início dos anos noventa, a dissolução da U.R.S.S. Décadas mais tarde a UE absorveu alguns países do leste europeu que fizeram parte do bloco soviético durante a guerra fria, como, por exemplo, a Polônia e Hungria que se juntaram a UE em 2004.

 

O Tratado de Maastricht de 1992 completou “as quatro liberdades”: liberdade de movimentação de bens, serviços, pessoas e capital no que ficou conhecido como EEA (European Economic Area). Com isso, o tratado de Maastricht lançou as bases para a união monetária estabelecendo critérios de convergência econômica, resumidos em déficits fiscais abaixo de 3% do PIB e uma dívida total de menos de 60% do PIB.

 

Também participam do mercado comum europeu a Noruega, Islândia, Liechtenstein e Suíça. Os três primeiros através do EFTA (European  Free Trade Agreement), enquanto que a Suíça tem um conjunto de acordos bilaterais com a UE.

 

Sobre a ideia de criação desta comunidade, a famosa declaração de Robert Shumann, ex-Ministro das Relações Exteriores da França - considerado um dos Founding Fathers da União Europeia - explicita bem uma das motivações fundamentais da integração política e econômica:

“The solidarity in production thus established will make it plain that any war between France and Germany becomes not merely unthinkable, but materially impossible.” 

 

Em 1999 a moeda única – o Euro - foi introduzida em um subconjunto de países da UE. Hoje 19 países fazem parte da Zona do Euro.

 

2. Principais instituições da governança da UE:

Conselho Europeu: 

É a instituição política mais importante, composta pelos chefes de estado dos 28 países membros. Sua principal atribuição é dar direcionamento estratégico a UE, definindo sua agenda e prioridades. Em geral as decisões são tomadas por consenso. Esta instituição ganha ainda mais proeminência em momentos de crise. Atualmente o presidente do Conselho Europeu é o polonês Donald Tusk.

Comissão Europeia:

A Comissão Europeia é o principal órgão supranacional executivo da UE, sendo o responsável por propor as questões que serão apreciadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho de Ministros que, depois de um extenso processo de consultas e modificações, se tornam lei. Os comissários da Comissão Europeia são escolhidos pelos governos dos respectivos países membros, mas é preciso ressaltar que são funcionários que devem representar a UE como um todo.

 

Muitas leis na Europa começam a partir de um esboço (green papers) feito pela Comissão Europeia por iniciativa própria ou sugestão do Conselho de Ministros ou comissões do Parlamento Europeu, instituições que explicaremos mais adiante. A Comissão Europeia também é responsável pela implementação das políticas definidas, pela proposta de Orçamento além de ser guardiã dos tratados firmados entre os membros.

 

O presidente da Comissão Europeia é eleito pelo Parlamento Europeu tendo que ser aprovado pelo Conselho Europeu e tem mandato de 5 anos. O atual presidente da Comissão Europeia é o luxemburguês Jean Claude Junker.

 

Conselho da União Europeia (Conselho de Ministros):

Esse conselho - que não deve ser confundido com o Conselho Europeu - é formado por um ministro de cada país membro. Existem diferentes “configurações” deste conselho, que são definidas de acordo com cada tópico específico a ser discutido. O tópico da reunião define qual ministro vai representar o país membro. Por exemplo, decisões ligadas à área ambiental requerem como representante o ministro do meio ambiente ou cargo similar. Para temas econômicos, por exemplo, o conselho é denominado  ECOFIN (Economic and Financial Affairs).

 

A principal atribuição do Conselho de Ministros é passar legislação, ou seja, é um órgão legislativo, dividindo esse poder com o Parlamento Europeu. O mais comum é tomar decisões com base em propostas já previamente formalizadas pela Comissão Europeia.

 

Nesse Conselho as decisões são tomadas por maioria qualificada em votações. A regra é que estejam presentes pelo menos 55% dos membros representando, no mínimo, 65% da população total. As exceções a esta regra são impostos e política externa que requerem unanimidade.

 

Parlamento Europeu:

Composto por 751 membros que são eleitos diretamente pelo povo para um mandato de cinco anos. O número de membros do parlamento (MPs) de cada país depende do tamanho de sua população. O Parlamento Europeu é responsável por legislar e supervisionar as demais instituições da UE. Os MPs fazem parte dos principais partidos políticos dos países membros e seus assentos são organizados segundo sua orientação política. O presidente do Parlamento Europeu é o alemão Martin Schulz.

 

Banco Central Europeu: 

O Banco Central Europeu (BCE) é responsável pela condução da política monetária na Zona do Euro. O principal objetivo do BCE é a estabilidade de preços definida quantitativamente como inflação medida pelo índice harmonizado de preços ao consumidor da Zona do Euro abaixo, mas próxima de, 2% a.a.

 

Outra atribuição importante do BCE é a supervisão bancária. A política monetária é decidida em comitê composto por seis membros do board que são apontados pelo Conselho Europeu e por outros presidentes dos bancos centrais de cada país que se revezam mensalmente. Atualmente o presidente do BCE é o italiano Mario Draghi.

 

Completam o conjunto das instituições da UE a Corte de Justiça Europeia, braço judiciário do governo europeu, e a Corte de Auditores, responsável por checar se o orçamento está sendo aplicado de maneira adequada.

 

3. Mas quem de fato dá as cartas na Europa?

A quantidade de instituições e seus líderes geram, naturalmente, a pergunta acima. A resposta a esta pergunta não é obvia.

 

Chris Bickerton, professor de política da Universidade de Cambridge, faz uma analogia comparando a UE com uma miragem. De longe é algo real com seus próprios prédios, instituições e regras. Mas quando se chega mais perto tudo fica mais embaçado e finalmente desaparece, restando chefes de estado e outros “officials” que de fato comandam. No primeiro capítulo do Livro “A União Européia: Guia do Cidadão”, ele descreve cinco cenas reais ocorridas entre 2011 e 2015. Em cada cena o leitor tem uma percepção diferente de quem manda de fato na UE. Bickerton classifica essa questão da seguinte forma: a Europa de pessoas, ressaltando o papel do Parlamento Europeu e Conselho de Ministros; a Europa de Estados, ressaltando o papel do Conselho Europeu; e, finalmente, a Europa de “Oficias”, ressaltando o papel da Comissão Europeia .

 

De qualquer forma, no jogo de forças políticas o papel representado pela Alemanha é fundamental. É fácil perceber sua influência de acordo com o grau de atenção das pessoas aos representantes da Alemanha nestas diversas instituições, com destaque óbvio para a Chanceler Angela Merkel. A Alemanha é a maior economia da região e tem a condição de país credor, isto é, superávit em conta corrente, passivo externo líquido negativo e dívida pública mais baixa do que os demais.

 

Conclusão

A UE é um grande projeto político-econômico de integração forjado ao longo de quase 7 décadas. Hoje, esse projeto está passando por uma forte turbulência.  O principal desafio é o político, já que as duas maiores economias - Alemanha e França - têm eleições em 2017. Também em 2017, o governo do Reino Unido vai acionar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, que trata da saída de um membro da UE.

 

Será um divórcio amigável? Será este um precedente para que, neste ambiente de crise, um governante Eurocético alcance o poder em algum país membro da Zona do Euro? São perguntas que serão respondidas ao longo do tempo e cujo desfecho depende da própria trajetória de execução.

 

Até agora, toda vez que a UE chegou próximo do abismo as forças políticas falaram mais alto. Mas até quando?

 

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