Por Wolney Betiol
Em geral, o caminho das empresas de sucesso é nascerem inovadoras, crescerem rapidamente e consolidarem-se no mercado como grandes corporações, muitas vezes fortes candidatas à extinção. Poucas são as empresas que conseguem se manter líderes em seus setores por um longo período. A tecnologia e a inovação promovem a criação de startups em quantidade e qualidade nunca antes imaginadas, nenhuma empresa, grande ou pequena, pode se acomodar. O processo de digitalização dos negócios está provocando mais uma revolução no Silicon Valley (SV) e no mundo. Antes muito focada em “Silicon e Software”, esta região atrai empresas de todos os portes e setores.
Qualquer empresa que tenha alguma relevância mercadológica, seja pela participação de mercado, seja pela capacidade de gerar inovação, precisa estar fortemente conectada ao SV. Esta conexão pode ser “nativa”, no caso das empresas que ali nascem, ou induzida – o importante é que seja genuína.
Para as empresas não nativas no Silicon Valley existem diferentes formas de se conectar a este ecossistema. Algumas buscam estabelecer conexões individuais, através de contatos com universidades e centros de pesquisa, parcerias com empresas nativas, ou mesmo montando seus centros próprios na região, geralmente focados em pesquisa e desenvolvimento. Outras buscam estas conexões de forma coletiva, participando de centros de inovação, muitas vezes dedicados a algum setor ou país.
Empresas inovadoras, nascidas ou fortemente conectadas ao SV, promovem, e continuarão promovendo, transformações no mundo todo. O que antes estava mais restrito ao mundo da eletrônica e da indústria de software, agora se espalhou para praticamente todos os setores da economia. Diversas indústrias vêm se beneficiando dos inúmeros ativos presentes no SV e são capazes de promover inovação transformadora. Alguns exemplos de empresas que nasceram naquele local e revolucionaram o mundo podem ser facilmente identificados. Google: maior empresa de mídia do planeta; Facebook: maior rede social; Airbnb: maior empresa de hotelaria; Uber e Lift: transformaram a mobilidade urbana; SalesForce: revolucionou a indústria de software com o conceito SaaS (Software asa Service -software como um serviço); Tesla: maior inovação na indústria automobilística dos últimos tempos. O que elas têm em comum é que nasceram e/ou se desenvolveram no SV e todas não existiam, ou eram irrelevantes, há 20 anos. Além das transformações promovidas por estas novas empresas, companhias tradicionais como a Apple transformam o mundo como vivemos. Nas últimas duas décadas, a empresa reinventou as indústrias de computador pessoal, de música e de aparelhos móveis de telefonia. Somadas, empresas do SV, startups ou consolidadas, geram milhares de empregos altamente qualificados e ajudaram transformar o estado da Califórnia numa das regiões mais produtivas e de maior sucesso econômico do mundo. Se fosse um país, a Califórnia seria a oitava maior economia do planeta.
Ecossistema de Inovação e Empreendedorismo
Embora não seja o propósito desta carta analisar em profundidade o ecossistema de inovação e empreendedorismo em que o SV se transformou, dois aspectos serão destacados. O primeiro é o fato de a região apresentar todos os agentes necessários para gerar e promover o crescimento acelerado de companhias inovadoras. O segundo é a capacidade que o ecossistema possui de rapidamente ajustar-se à intensidade destes agentes, adaptando-se à evolução do mundo.
O empreendedor é uma pessoa com habilidades para identificar uma oportunidade, um problema ou um desejo de futuros clientes, aplicar conhecimento para desenvolver uma solução economicamente viável e comercializá-la em larga escala. Qualquer indivíduo pode tornar-se um empreendedor. Acesso ao conhecimento, estímulo à capacidade de imaginação e atitude de buscar os recursos necessários para transformar uma ideia em um grande empreendimento são fatores que podem ser estimulados em qualquer pessoa. Se o empreendedor estiver inserido em um ecossistema que oferece os recursos para acesso ao conhecimento, o habitat que estimula a capacidade de imaginação e uma cultura na qual a busca pelo novo seja promovida, ele estará melhor qualificado não apenas para gerar muitos negócios, mas também para encontrar as condições necessárias para escalar estes negócios de forma rápida e global.
Mobilidade de Pessoas, Tecnologia e Capital
Pessoas, tecnologia e capital formam a base para o desenvolvimento de negócios inovadores. Felizmente, estes recursos são “móveis” e empreendedores de sucesso usam essa mobilidade a seu favor. Sem acesso a talentos, com conhecimento e atitude empreendedora, tecnologia e capital, uma boa ideia ou invenção não se transforma numa inovação de sucesso mercadológico. Sabendo disto, empreendedores e empresas vêm se estabelecendo junto a ecossistemas favoráveis ao seu desenvolvimento e, ao mesmo tempo, construindo conexões efetivas com o Silicon Valley.
Pessoas
Entre os diversos ativos presentes no Silicon Valley, a capacidade de atração de talentos e empreendedores globais merece destaque. Antes de ser um estado americano, a Califórnia pertenceu ao México. A conquista do oeste, a corrida do ouro e, posteriormente, o desenvolvimento da agricultura, atraíram para a região americanos da costa leste, imigrantes europeus e asiáticos, além da já presente influência latina. Fundada em 1866, a universidade de Berkeley garantiu a formação e o treinamento de talentos, inicialmente para os setores de mineração e agricultura e posteriormente durante a era nuclear, como um centro de pesquisa em radiação. A proximidade do oriente e o interesse americano no Pacífico, atraíram para perto de São Francisco diversas bases militares, que trouxeram seus centros de pesquisa e desenvolvimento. Adicionalmente, empresas de tecnologia, em especial de radiocomunicação, começaram a instalar-se na região. O advento da era nuclear disparou o desenvolvimento de centros de pesquisa em radiação na universidade de Berkeley. Já a universidade de Stanford, fundada no final do século dezenove, iniciou sua jornada de contribuição para a transformação do SV no final da década de 1930. Eminentes alunos como os irmãos Varian, William Hewlett e David Packard, começaram suas empresas - respectivamente Varian Associates e HP - a partir de pesquisas desenvolvidas em Stanford. A importância da proximidade com a universidade originou a criação do “Stanford Research Park”, que até hoje abriga importantes empresas de base tecnológica. Esta forte conexão entre universidade e empresas, transformou Stanford numa verdadeira fonte de formação de talentos e empreendedores diferenciados. Uma pesquisa1 realizada em 2011 por dois professores de Stanford junto a ex-alunos, mostrou não apenas a importância desta universidade para o ecossistema de inovação e empreendedorismo do SV, mas também a sua contribuição na formação de empresas que transformaram a economia da Califórnia e dos Estados Unidos. O estudo revelou a existência de cerca de 39.900 empresas ativas que tiveram suas raízes em Stanford. Se estas empresas formassem uma nação, ela seria a décima maior economia do mundo, gerando cerca de 5,4 milhões de empregos e mais de 2,7 trilhões de dólares em receita. Universidades como Berkeley e Stanford, assim como outros centros de educação e treinamento, atraem os melhores cérebros do mundo para esta região. Muitos deles decidem permanecer no SV após graduados, formando suas próprias empresas ou trabalhando nas companhias de tecnologia ali sediadas. Esta oferta de talentos diferenciados traz outras empresas de base tecnológica que, somadas aos diversos centros de pesquisa e desenvolvimento, impulsionam a atração de talentos, gerando um dinâmico ciclo virtuoso. Por essas e outras razões, centenas de companhias mundo afora decidiram mudar-se para o SV. Um exemplo é o Facebook, que deu seus primeiros passos em Harvard, na costa leste dos EUA.
Como resultado desse processo migratório, cerca de 38% da população da Califórnia é composta por pessoas nascidas fora dos Estados Unidos. Do total de empregos de tecnologia, e considerando pessoas com 25 e 44 anos de idade, 67% são ocupados por estrangeiros. Mais da metade dos residentes falam um segundo idioma, além de inglês, em suas casas. Esta diversidade de talentos e culturas favorece a geração de ambientes inovadores e abertos a novas ideias, fazendo do SV um local onde as pessoas estão abertas ao contraditório, para ouvir outros pontos de vista, para testarearriscarnovoscaminhose,enfim,parapromover o desenvolvimento de empreendimentos inovadores.
Tecnologia
Vivemos em uma era sem precedentes na história da humanidade em termos de geração e difusão de conhecimento e tecnologia. Entre os diversos fatores que contribuem para esse desenvolvimento, alguns merecem destaque:
• O exponencial aumento da capacidade computacional e proporcional redução do seu custo.
• O avanço da indústria de software e sua expansão para praticamente todos os setores da economia.
• O surgimento do chamado “software livre” ou software com “código aberto”.
• O avanço das telecomunicações e da mobilidade.
• O advento da internet e da computação na nuvem.
• O desenvolvimento de soluções de comunicação via internet com significativa redução de custos.
• A redução do tamanho físico dos dispositivos eletrônicos, incluindo os implantáveis em seres humanos.
• A evolução de dispositivos inteligentes através dos avanços da IoT (Internet of Things).
• A enorme disponibilidade de dados.
• O aperfeiçoamento das impressoras 3D.
• A convergência entre tecnologia da informação com diversas outras áreas como saúde, educação, telefonia, energia, etc.
• O nascimento das redes sociais e o consequente aumento da capacidade de colaboração e compartilhamento.
• O desenvolvimento de novas formas de geração de energias renováveis e de produção de alimentos.
• A massificação do chamado ensino “on-line” e a distância
Como consequência destes avanços, estamos expandindo nossa capacidade de criação para horizontes jamais imaginados, ao mesmo tempo que vemos a redução significativa do custo e do tempo para se gerar uma nova ideia, desenvolver um novo produto, criar uma nova empresa e expandi-la em escala global. Adicionalmente, o custo de uso de softwares tem reduzido de forma substancial, promovendo um significativo aumento de produtividade nos mais diversos setores e atividades. O acesso à tecnologia está disponível a qualquer pessoa em qualquer lugar. Estar presente e/ou fortemente conectado ao SV permite não apenas estar atualizado sobre as últimas novidades tecnológicas, mas também acessá-las em primeira mão, beneficiando-se, assim, da sua rápida adoção.
Capital
O capital sempre flui, e continuará fluindo, para onde encontra as melhores condições de se multiplicar. Reconhecendo a capacidade de geração de riqueza associada à inovação, o capital empreendedor (Venture Capital - VC) desloca-se para os locais com alta capacidade de geração de startups inovadoras. Nas últimas décadas, o SV atraiu cerca de 40% do montante de Venture Capital disponível no mundo, chamando a atenção de empreendedores que vêm para o Silicon Valley em busca de capital para desenvolver suas empresas, gerando assim outro poderoso ciclo virtuoso.
Empresas financiadas por Venture Capital têm aumentado significativamente seu papel na economia americana e mundial. Nos últimos 20 anos, essas companhias puxaram o crescimento econômico e a geração de empregos nos Estados Unidos. Sem desconsiderar o incremento gerado pelas empresas que foram financiadas por Venture Capital, o PIB americano ficaria estável, ou até mesmo negativo, nas duas últimas décadas. Se a indústria de VC traz uma enorme contribuição à maior economia do planeta, certamente pode transformar um país como o Brasil, onde oportunidades de melhorias estão presentes em todos os setores da economia e regiões geográficas.
Fatores relevantes observados no ano de 2018 na indústria de Venture Capital
Historicamente os EUA atraem a maior parte dos investimentos em VC e o SV, em particular, recebe mais de 40% do investimento global nesta classe de ativo. A alta densidade do Silicon Valley (não apenas devido ao número de startups, mas também devido à presença maciça de inúmeras empresas de diversos setores) foi, e continuará sendo, um importante fator de diferenciação desse ecossistema. Entretanto, esta aglomeração tem também um lado negativo. O alto custo de vida (moradia, escritórios, serviços, etc), somado à competição por talentos e a dificuldade de locomoção (pouca opção de transporte de massas), contribui para que empreendedores e investidores olhem com mais atenção para outras regiões. Inovações surgidas nos EUA são copiadas e/ou adaptadas em outros países. A mobilidade (de empreendedores, da tecnologia e do capital) e o aperfeiçoamento dos ecossistemas em cidades como Nova York, Boston, Austin, Seattle e Los Angeles nos EUA, juntamente com Londres, Israel e algumas regiões na Índia, Japão e China, disseminam o desenvolvimento de empreendimentos inovadores ao redor do mundo. Seja pela sua característica político-social, seja pelo tamanho da sua economia, a China gera clones de empresas revolucionárias nascidas dos EUA. Alibaba (Amazon), Baidu (Google), Xiaomi (Apple) e Didi (Uber/Lift) são apenas alguns exemplos de empresas chinesas que nasceram baseadas no “modelo SV”, receberam investimentos de Venture Capital e tornara-se grandes corporações globais. A geração de riqueza pelo desenvolvimento de empreendimentos transformadores atrai investidores e promove o fortalecimento da indústria de Venture Capital ao redor do mundo.
Fatores relevantes observados no ano de 2018 na indústria de Tecnologia
1. Processos de buyout, IPOs e fusão & aquisição (M&A – Mergers and Acquisition) continuaram aquecidos. A saída de um investimento é de fundamental importância para a indústria de VC. Quando um fundo vende sua participação em uma empresa, ele geralmente gera liquidez para os investidores, que por sua vez tendem a reinvestir nessa classe de ativos, reciclando o capital e realimentando todo o ecossistema. Existem basicamente três formas de um fundo realizar o investimento: vendendo sua participação na empresa (“buyout”) , quando a companhia passa por um processo de fusão e/ou aquisição, ou num processo de abertura de capital (IPO). Em 2018, o volume de aquisições continuou aquecido e foi o principal gerador de eventos de liquidez. Apenas a indústria de software gerou cerca de $100 bilhões em M&A. O fluxo de IPOs parece estar ganhando força novamente e entrando num regime de normalidade conhecido como Goldilocks2 . As indústrias de software e de tecnologias de saúde (health tech) foram as que mais fizeram IPOs. Entretanto, devido à tendência de empresas permanecerem fechadas por mais tempo, a venda de participações (buyout) é uma tendência crescente de saída dos fundos.
2. Internet, Software e saúde foram os setores que mais receberam investimentos de VC. As indústrias de internet e de software, em especial SaaS (Software as a Service), seguidas por empresas de tecnologia da área de saúde, continuam sendo as que mais atraíram os gestores de VC em 2018, uma tendência que permaneceu no último trimestre.
3. Inteligência Artificial (AI) e Machine Learning (ML) começam a deixar de ser algo mágico e futurista e passaram a ser aplicadas em situações reais do nosso dia-a-dia. Há muito tempo fala-se em inteligência artificial e na capacidade de máquinas computadorizadas aprenderem por conta própria. Porém, até o momento, poucas aplicações práticas e úteis foram realmente desenvolvidas. Este cenário parece estar mudando. A disponibilidade de uma enormidade de dados (Big Data) somada ao aumento da capacidade e drástica redução do custo dos sistemas computacionais possibilita o desenvolvimento de aplicações concretas envolvendo AI/ML. Os sistemas de reconhecimento de voz e os carros autoguiados são bons exemplos de uso destas tecnologias e tudo indica que AI e ML terão significativos impactos cotidianos.
4. Privacidade de dados. Por muito tempo negligenciada, a privacidade de dados pessoais (e até mesmo corporativas) ocupou a atenção de usuários, executivos e legisladores no ano passado. Grandes empresas enfrentaram processos, convocações para se explicarem em Congressos Nacionais de diversos países e exposição negativa na mídia investigativa. Google e Facebook, entre outras importantes empresas, reconheceram publicamente suas fragilidades em conseguir garantir a privacidade dos dados dos usuários dos seus produtos. Regulações como General Data Protection Regulation - GDPR e California Consumer Privacy Act, que visam garantir a proteção e a privacidade dos dados, começaram a ser implantadas no mundo todo e pretendem oferecer maior controle por parte dos usuários de como empresas armazenam e utilizam dados pessoais.
Estudos indicam um crescimento de 30% em 2018 frente a 2017, no número de investimentos realizados em startups focadas neste tema. Ainda é cedo para entender a extensão do impacto destas mudanças, mas é certo que, ao mesmo tempo que esta nova regulação pode colocar alguns gigantes da tecnologia em crise, ela irá promover o surgimento de uma geração de startups que têm a privacidade, a segurança e o anonimato no centro de suas propostas de valor.
5. Blockchain, uma espécie de registro público distribuído e descentralizado que cria uma espécie de identidade digital, tem um forte potencial para uso no aperfeiçoamento de processos transacionais. Muito tem sido discutido e especulado em relação ao uso dessa tecnologia. A criação e utilização das criptomoedas (Bitcoin e Ethereum são as mais conhecidas) começam a ser aceita por autoridades reguladoras e agentes financeiros. Contratos são registrados, controlados e rastreados através de blockchains. Ainda é cedo para afirmar a total abrangência de seu uso, porém tem crescido a alocação de capital para o desenvolvimento de soluções com blockchains, tanto no aperfeiçoamento da plataforma quanto em diversas aplicações onde o registro de transações exerce um papel fundamental, e parece estar claro que esta tecnologia pode ser disruptiva em diversas indústrias.
Estamos vivenciando a criação de um mundo novo, onde a inovação e a tecnologia vêm proporcionando o surgimento de novas empresas com modelos de negócios revolucionários. Apesar deste fenômeno ocorrer em diversas regiões do planeta, é no Silicon Valley onde ele se mostra extremamente dinâmico e frutífero, proporcionando uma geração de riqueza ocorrida apenas em alguns momentos da história da humanidade. Acompanhar e estar inserido no ambiente do SV deve ser, mais que uma opção, uma obrigação de qualquer executivo ou investidor. A Turim, como gestora de recursos com visão estratégica de longo prazo, vem fortalecendo sua presença neste ecossistema e proporcionando aos seus clientes uma oportunidade única de aprendizado e de investimentos.